Néfora
A prisão onde ela se encontrava era imunda e em
forma de uma fossa profunda, trancada na parte superior por uma enorme tampa de
ferro com grandes furos, por onde passavam um pouco de luz e gotas de água da
chuva. Estava ali há duas semanas, vivendo apenas com pequenas porções de água
e poucas migalhas de pão. Precisava sair dali viva, para o desfecho final de
sua condenação. A forca. Fora condena por acusação de prática de bruxaria e heresia.
A mesma condenação, usada naquele Condado, para todos que ousavam desafiar, contestar
ou levantar suspeitas fundamentadas ou não, contra os dogmas da Igreja Católica
Apostólica Romana.
Estava por volta dos seus trinta anos de idade,
havia sido uma bela mulher, antes daquele destino cruel. Os cabelos loiros eram
longos, fartos e cacheados, os olhos verdes escuros, a pela branca, os lábios
rosados e finos. Agora era apenas um espectro de si mesma. Estava feia,
emagrecida e suja, misturada ás suas necessidades fisiológicas, naquele buraco
infame. Adormecida e nua naquela lama, aguardando apenas o sol aparecer para
brindar o dia de sua morte. Chama-se Néfora.
O grito de desespero do filho de sete anos ecoou em
sua memória, que a conduziu para o fatídico dia em que sua casa fora invadida
pela guarda da cidade. Homens fortes e truculentos vestidos com armaduras de
bronze e espadas em punhos dizimaram sua família em minutos. O primeiro a
sentir a fúria do pequeno pelotão, pelo fio da espada, foi seu marido. Na
sequencia, o pai e a mãe. O menino seguro por um dos soldados debatia-se e
gritava em vão. Foi carregado para o lado de fora da casa, amarrado, amordaçado
e jogado em uma carruagem que servia como diligência. Ela gritava e chorava ao
mesmo tempo, pedindo clemência, contida por dois homens. Em seguida, foi
arrastada para o lado de fora de sua residência e levada como prisioneira pelas
ruas da cidade, com o vestido azul marinho rasgado, os pés descalços e o corpo seminu,
sob os olhares dos curiosos, para que aquilo servisse como exemplo para todos.
O cocheiro que conduzia a carruagem onde estava o seu menino saiu em disparada,
aumentando o desespero do seu coração. Naquele exato momento não conseguia
distinguir qual era a maior dor de sua alma. A perda, a separação ou a vergonha
de ser exposta para toda comunidade, como mais uma herege e excomungada.
Acordou chorando desesperadamente, dentro daquele
poço onde se encontrava. As primeiras luzes do dia entravam no ambiente onde
estava, trazendo um tom alaranjado ao local. Olhou para o alto, abriu os olhos
devagar. A primeira imagem que viu foi do seu algoz. O carrasco fitou seus
olhos com frieza. O olhar daquele brutamonte, por trás daquele capuz preto, penetrou
em sua alma. O coração acelerou.
Foi içada por uma corda e vestida com uma túnica de
algodão cru, as mãos foram amarradas para trás e ela foi conduzida dali, em uma
carroça aberta que remetia a um carro de boi, para o tribunal do júri e na
sequência, seria levada para a Praça dos Condenados. Onde um aglomerado de
pessoas aguardava pelo espetáculo.
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