APARTADOS
EPISÓDIO VI
VERDADES
O choque que ele havia causado em sua família com seu retorno, fez com que se afastasse. Precisava entender o que realmente acontecera com sua vida. Nada fazia muito sentido, aquela reação da esposa e dos filhos, era como se tivessem visto um fantasma. No entanto para ele, estava apenas retornando de um dia comum de trabalho. Mas percebera muito rápido que algo muito estranho tinha acontecido com ele. Imagens estranhas e confusas dominavam sua cabeça e às vezes causavam medo e angústia. Não eram visões nítidas, porém perturbadoras.
Depois do ocorrido no shopping, tudo estava muito diferente. Muitas perguntas sem respostas povoavam seus pensamentos. Mas, aquela imagem de uma "caixa" branca, ocupada por ele e por outras pessoas que não conseguia definir quem eram, sem sombra de dúvidas, era a pergunta mais perturbadora.
Para que encontrasse ao menos um equilíbrio no meio de tudo aquilo, procurou alguém que talvez pudesse ajudá-lo a entender certas coisas. Seu irmão, Matheus.
A reação estranha de enxergar um fantasma ao abrir a porta, foi notória no rosto do outro ao ver a imagem de Nilton, frente a frente. Mesmo com certa mistura de sentimentos entre medo e alegria, abriu a porta de sua casa para seu irmão. Ficaram alguns segundos em silêncio, um olhando para o outro com lágrimas nos olhos.
"O que está acontecendo aqui, meu Deus!" - Pensou assustado. - "Pedi tanto que a morte dele nunca tivesse ocorrido. E agora estou aqui diante dele e estou negando meus próprios desejos". - Abraçou o outro e finalmente desabaram em lágrimas.
A casa era pequena e simples, no entanto, muito bem organizada e aconchegante.
Depois do choque do reencontro começaram a conversar, uma certa tensão ainda pairava no ar, mas os dois queriam entender aquela situação estranha.
- Houve um grande assalto no shopping onde você trabalhava como segurança. - Matheus deu início àquela conversa inusitada. - Em meio a confusão, você levou um tiro no peito e morreu, antes mesmo de ser atendido por algum serviço de socorro. - Falou sem rodeios, como deveria ser aquele diálogo.
Nilton sentiu uma forte dor no peito, como se naquele exato momento estivesse revivendo os momentos finais de sua vida no seu local de trabalho. O ar faltou e ele puxou para dentro do peito todo o oxigênio possível para manter-se vivo.
- Você está me dizendo que eu estou morto. - Soltou de supetão, recuperando o fôlego.
- Há exatamente três meses. - Matheus nunca fora uma pessoa de meias palavras, sempre as usava de maneira direta, mesmo amando o irmão, como amava. Não tinha como fazer rodeios naquela situação.
Nilton estava ali, sentado, diante de seus olhos. Conversando com ele. Porém, a realidade era que, aquele homem estava morto e enterrado. Isso era um fato que não teria que ser encarado.
- Nós enterramos você meu irmão! Isso explica porque tua mulher e teus filhos reagiram daquela maneira quanto te viram. Por isso fiquei sem voz quanto te vi diante dos meus olhos.
- Mas eu estou aqui, Matheus! Vivo!
- Não sei explicar o que está acontecendo aqui meu irmão. Não existe lógica nenhuma nessa nossa conversa. - Deu uma pequena pausa, precisava de um átimo de respiração. - Fiquei muito feliz de você estar aqui, mas não posso negar que quando te vi, senti medo. Estamos falando sobre o maior medo da raça humana desde que o mundo é mundo. A morte. E inexplicavelmente você retornou dela. Não vai ser nada fácil você retomar sua vida como era antes daquele incidente.
- Não sei sei o que fazer Matheus. Estou com muito medo, por isso procurei você. Existem coisas muito mais misteriosas misturadas nessa história do que a minha morte. Preciso descobrir o que realmente aconteceu comigo e pra isso só posso contar com a sua ajuda...
- Eu estou aqui, sempre estive e sempre estarei. Você não imagina o tanto que eu sofri depois que você se foi. Havia ficado sozinho nesse mundo, sem nossos pais e sem você. Foram meses muito difíceis. Mas você está de volta. E se está realmente vivo, pra mim pouco importa, está aqui, comigo e eu nunca te negaria ajuda. Só acho que com sua família deve ter um pouco mais de paciência. Sua mulher e seus filhos estão sofrendo muito com a sua ausência. Mas acho que deve esperar um pouco mais para procurá-los outra vez.
- Pode deixar, não vou procurá-los! Preciso entender tudo oque está acontecendo comigo primeiro.
- Quanto a mim, pode ficar tranquilo. Não vou dizer nada a seu respeito, para eles.
Ecoou um som de batida da porta para dentro da casa.
- Está esperando alguém. - Perguntou Nilton.
- Não.
Matheus foi em direção à porta e a abriu. Uma forte luz branca invadiu sua visão e depois todo o recinto. A princípio ele ficou desnorteado, em seguida, caiu no chão desmaiado. Um homem alto, vestido feito astronauta, entrou na residência, deixando Nilton estático e sem reação.
Os fortes enjoos traziam certo desconforto para sua rotina, a barriga também havia crescido consideravelmente, mas, no meio de tudo aquilo o que mais a incomodava eram os sonhos constantes com aqueles seres estranhos. Acordava durante a madrugada, molhada de suor e assustada.
A gravidez em si, já era por si só, um fato inusitado. Não entendera como havia engravidado, dentro de todas as probabilidades normais, seria impossível. Mas como era um fato. E contra fatos não há argumentos, aceitara aquela situação.
Por motivos óbvios, estava afastada do trabalho. Não ter que aguentar os rompantes do seu chefe, trazia certo alívio. Seria um problema a menos para enfrentar no meio daquela situação.
Levantou para tomar um copo com água, estava com sede. O coração ainda batia acelerado por conta do sonho: Olhos grandes e rostos estranhos e acinzentados a observavam, enquanto ela estava deitada sobre uma mesa cirúrgica, com as mãos e os pés contidos por pulseiras pretas. Eles falavam palavras que ela não conseguia entender, como se possuíssem um idioma estranho. Depois entrou em uma escuridão profunda. Acordou.
Na cozinheta, ao pegar a água na geladeira, sentiu como que milhares de olhos a observassem. uma sensação de medo dominou seu espírito. As vezes pensava que iria enlouquecer. Sua vida havia ficado de ponta cabeça desde aquele dia fatídico no metrô, que na sequência acordou naquele hospital da zona sul da cidade. Tudo estava radicalmente estranho, não conseguia imaginar onde tudo aquilo ia parar.
Tomou a água e voltou para a cama, demorou um pouco para pegar no sono outra vez, mas finalmente conseguiu.
O lugar onde se encontrava agora, definitivamente não era sua kitnet. Lembrava em muito uma caixa sem entradas ou saídas, e ela, estava presa nela. Dentro dela. Não estava sozinha, três homens adormecidos completavam o cenário inóspito. A respiração e o coração mudaram o ritmo. Já estivera ali. Sentia isso, sabia disso. Só não conseguia precisar quando.
Do nada, a "caixa" começou a ser inundada por uma quantidade razoável de água que brotava do chão. em poucos segundos os quatro estavam submersos. Ela tentava lutar em vão para não se afogar, os outros três, continuavam adormecidos. Viu os corpos deles boiando na água, enquanto se debatia, lutando pela vida.
Um dos homens arregalou os olhos e pronunciou seu nome.
"Enya!"
Ela soltou um grito de pânico.
Acordou.
Continua...
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